sexta-feira, 7 de maio de 2010

Marmotas

...Mas se alguém olha o mapa, a cidade não está lá. Verdade, mapas não são provas de nada. À noite, da serra, posso ver o clarão das luzes e sei que as pessoas estão em casa. Não saem, não passeiam, não se visitam, nem se reúnem. Não existe (mais) restaurante, bar, lanchonete, hall de hotel, varanda de clube, snoozer, para que pessoas se encontrem, conversem. Qualquer estranho que chegue, e é incrível como conseguem chegar (ou porque vão lá) é detectado. Não se relaciona, não acha com quem falar. Este silêncio é que me obcecava. Indago: teria sido esta a razão do meu exílio? Eles não se conformavam em me ver na rua, sem medo, de dia ou de noite, subindo e descendo. Eu sentia que me olhavam por trás das venezianas fechadas. A cidade era famosa pelos olhos nas venezianas. Pelos pequenos buracos, através dos quais as pessoas contemplavam e vigiavam a rua. Em busca de estranhos. Eu percebia, a cada dia, crescer por trás das janelas a tensão. Mas as folhas não se abriam. Há pessoas que nascem, vivem e morrem ocultas. Somente a família toma conhecimento destas existências. Marmotas. Existem nesta cidade milhares de rostos desconhecidos. Uma vez, em desespero, me pegaram forçando um portão; fiquei mais visado. Vozes ciciavam, raivosas. Perguntavam, eu mal podia ouvi-los. Um monólogo surdo: "vai embora, vai", "só nos faz mal", "incomoda", "vai embora, não gostam de você". Não via ninguém, batia nas janelas, tocava campainhas, jogava pedras, os murmúrios se calavam, eu me distanciava e ouvia de novo...

Ignácio de Loyola Brandão

O que faz um mundo pior?