terça-feira, 19 de junho de 2012

E há como fugir?


É um prazer falar de algo que diz respeito a vós, algo sobre a vossa situação, em especial o vosso ambiente ou circunstâncias neste mundo, nesta cidade, o que está aí, se é necessário que seja tão ruim quanto é, se pode ou não ser melhorado. Tenho viajado muito por aí, e em toda parte, lojas, escritórios e campos, os habitantes me parecem estar fazendo penitência de mil maneiras extraordinárias. O que ouvi dizer dos brâmanes sentados entre quatro fogos a encarar o sol, ou suspensos de cabeças para baixo sobre as chamas, ou fitando os céus por cima dos ombros "até que se tornasse impossível retomarem suas posturas normais, enquanto devido à torção do pescoço só líquidos podiam entrar no estômago"; ou morando ao pé de uma árvore algemados para sempre; ou feito lagartas, medindo com seus corpos a extensão de vastos impérios; ou ainda erguendo-se sobre uma perna no alto de pilares - mesmo essas formas de penitência intencional a custo não são mais inacreditáveis e estarrecedoras do que as cenas que presencio diariamente. Os doze trabalhos de Hércules eram ninharias comparados com os que vizinhos meus têm empreendido, porque aqueles eram apenas doze e tiveram um fim, ao passo que eu nunca pude ver esses homens matarem ou capturarem monstro algum, nem sequer acabarem qualquer trabalho.

Vejo rapazes, concidadãos meus, cuja má sorte é terem herdado casas, fazendas, celeiro, gado e instrumentos agrícolas, porque essas coisas são muito mais facilmente adquirdas do que descartadas. Melhor seria se tivessem nascido em pasto aberto e sido amamentados por uma loba a fim de que pudessem enxergar melhor a terra a que foram chamados a cultivar. Quem os fez servos do solo? Por que comeriam de seus sessenta acres quando o homem está condenado a comer apenas a porção de seu barro? Por que começariam a cavar seus túmulos logo que nascem? Têm é que viver a vida, deixando todas essas coisas para trás e serem o melhor que puderem. Quem nada possui não luta contra os encargos desnecessários herdados e já considera bastante a tarefa de cultivar seu quinhão de carne.

Contudo os homens trabalham à sombra de um erro, lançando ao solo como adubo o que têm de melhor. Por uma sina ilusória, vulgarmente chamada necessidade, desgastam-se, como se diz num velho livro, a amontoar tesouros que a traça e a ferrugem estragarão e que surgem ladrões para roubar. É uma vida de imbecis, como perceberão ao fim dela, se não antes.

Henry David Thoreau

O que faz um mundo pior?